18, março, 2014

A civilização ocidental e o vinho

O consumo do vinho: do paganismo ao cristianismo

jacopo_bassano_last_supper_1542No ocidente, a cultura do vinho é sinônimo de civilização. Desde suas origens, na cultura clássica grega e latina, o vinho foi interpretado como algo que vai muito além de uma bebida, além de indispensável complemento alimentar numa sociedade rural e de recursos limitados, o vinho sempre foi investido de uma aura sagrada.

O mistério de como a fruta madura e levemente prensada com técnicas rudimentares pudesse transformar-se em líquido saboroso e levemente inebriante, atiçou a fantasia de todas as religiões, desde as clássicas pagãs, até o judaísmo e, a partir dele, do cristianismo, onde Jesus Cristo consagrou definitivamente a presença do vinho nas práticas religiosas.

Naquele tempo, se desconhecia o processo de fermentação e a ação das leveduras que só foram decodificadas no século XIX por Louis Pasteur; logo o mistério da produção do vinho era associado a uma espécie de milagre, extremamente benfazejo, pois uma fruta, a uva, que alimentava as pessoas apenas em época de colheita, através do processo da vinificação, poderia ser consumida, em versão líquida, ao longo do ano inteiro.

Óbvio que escondia-se a armadilha do álcool que muitas seitas pseudo-religiosas, sem melhor argumento, condenavam (e, por incrível que pareça, ainda condenam) a priori, chegando ao extremo de conceber a existência de dois tipos de vinho, o “vinho bom” desprovido de álcool (?), aquele que Jesus teria usado na última ceia e em diversas outras ocasiões, e o “vinho mau” alcoólico, supostamente produzido sob influências malignas, para corromper os fiéis e que não poderia ser consumido absolutamente.

Vale mencionar que era tecnicamente impossível, naquele tempo, produzir um suco de uva sem álcool, já que assim que as uvas fossem prensadas, imediatamente dispararia o processo natural da fermentação e logo a transformação do açúcar em álcool. Esta transformação era inevitável pois não se conheciam ainda os mistérios da pasteurização que nos permitem hoje dominar o processo produtivo do suco integral. Daí nos resulta que o tal “vinho bom” existiria apenas no ato da prensagem da uva, mas sem condição de assim permanecer por mais tempo, sendo impossível resistir até a Páscoa, que acontece meses depois da vindima.

Preferimos raciocinar sobre os efeitos do consumo de vinho em lugar de entrar em polêmicas religiosas de qualquer natureza, por isso consideramos que a alegria, a boa disposição ao convívio social que um moderado consumo do vinho desperta nas pessoas, pode facilmente desencaminhar pelos nefastos efeitos da embriaguez a que o excesso de bebida fatalmente nos leva.

Quem sabe este seja o aspecto mais importante, o verdadeiro teste pelo qual o ser humano precisa passar, onde o limite entre o benéfico e o exagero é tão sutil e tentador, quanto fácil de ser traspassado e que justamente nisto reside a natureza sagrada do vinho, sob a forma de um desafio para nossa moderação. A natureza soube fazer o milagre, cabe ao homem esclarecido não abusar para não descambar no vulgar e no excesso. Prefiro acreditar na capacidade de cada um de se controlar e fazer uso de seu próprio livre arbítrio do que negar e combater o consumo por meio de dogmas, superstições e leis descabidas.