20, novembro, 2012

Dedicação de um cozinheiro

 

Quando e como começou nesta carreira?
Eu sempre gostei de cozinhar desde criança e um dos motivos é porque eu sou o caçula da minha família por parte de mãe e pai. Sendo assim, estava sempre com minha mãe. Ela é o tipo de pessoa que largou tudo para criar seus filhotes com colheradas generosas de uma boa comida de mãe… Que saudade… Eu sempre fui muito grudado com ela, onde ela estava eu estava junto, por acaso ela estava sempre na cozinha. Então cresci entre as panelas, na realidade a minha família é louca por comer e bater papo na mesa de jantar. Eu sempre brinco que casa de um Pereira (sobrenome da família da minha mãe) não existe sala e sim cozinha, porque todo mundo se junta é na cozinha. Todas as decisões de família sempre são regadas a uma boa cerveja, petiscos e é claro Coca Cola.
 
Por que escolheu se dedicar à cozinha?
Quando eu tinha 16 anos eu estava me preparando para fazer o vestibular, mas nenhuma profissão me encantava. Foi quando minha mãe me deu o seguinte conselho: "Meu filho você cozinha tão bem  e adora fazer isso, porque você não vai procurar fazer um curso de culinária pra ver se você gosta da profissão?” Quando eu era pequeno, ela tinha feito um curso de "arte culinária" no SENAC. Então foi assim que comecei a minha relação com essa instituição. O meu primeiro curso era culinária trivial com a instrutora Gorety Dantas. Me lembro do primeiro dia de aula, e lembro do cheiro que tinha a cozinha, as pessoas, foi um momento que marcou muito. Eu me encontrei profissionalmente nesse momento. Fui um aluno dedicado e por isso fui convidado para trabalhar nos eventos e assim se passaram seis meses de trabalho de graça. Eu adorava a adrenalina de um evento. Em um almoço no Centro Dragão do Mar, a Gorety teve um problema familiar, teve que largar tudo e me colocou para ficar responsável. Aí no bom cearense, botei foi pra lascar. Deu tudo certo no final do evento e fui convidado para ser auxiliar de serviço gerais, responsável por limpar e organizar as cozinhas, sem pensar, eu disse sim. Já são quase 10 anos de paixão por essa instituição que me ensinou uma profissão e me ensinou a amadurecer como pessoa e profissional. Depois de dois anos fui promovido a monitor. Com um ano que eu estava como monitor, em conversa com a minha diretora Ana Cláudia, que na época era diretora financeira, ela me fez a seguinte pergunta: Qual era o meu maior sonho ? Eu disse que era me formar em gastronomia. Ela não contou pipoca, no final do ano eu estava em Campos do Jordão fazendo a minha faculdade, paga pelo SENAC Ceará. Quando voltei, virei instrutor e pude ensinar um pouco do que eu sei.  Há pouco mais de um ano estou como consultor gastronômico de SENAC Ceará. Responsável pela gerência de todas as ações de gastronomia no Estado do Ceará.
 
Fala um pouco da sua trajetória profissional?
Além do SENAC trabalhei em alguns restaurantes de Fortaleza, um deles foi o novo Trapiche. Foi bem bacana, passei quase um ano, entrava às seis da manhã e largava às 14h, entrava no SENAC às 15h e ia até as 22h30. Era puxado, mas eu tinha que ter a vivência de mercado. Eu pensava como eu poderia ensinar e falar sobre restaurante sem ter pisado em um. Depois eu trabalhei num restaurante pequeno o L’Assiete  com a Fabiana e o Olivier. Foi bem bacana, como era pequeno eu pude intervir mais, a gente trocava muita figurinha, só que era muito pesado, pois eu entrava no SENAC às 7h e saia às 16h, entrava no restaurante às 17h e saia quando o último cliente ia embora. Resumindo eu chegava em casa quase na hora de ir trabalhar no SENAC, dormia cerca de 1h por dia. Aguentei ainda oito meses. Foi assim que eu senti o que é trabalhar na cozinha, mas quando eu estava diante do fogão, o cansaço ia embora. Onde eu encostava eu dormia, era bem engraçado. Adorava essa época de construção de um caráter de cozinheiro.
 
Quais os principais desafios?
Vamos por partes! O primeiro desafio é saber se realmente é isso que você quer para sua vida, pois a cozinha é um sacerdócio. Para você ter o seu trabalho reconhecido você vai ter que abdicar de tudo e dar o seu melhor com a possibilidade de nunca ser reconhecido. Segundo, a busca pelo conhecimento, pois hoje ainda existe muito amadorismo nessa profissão. Muitas vezes pessoas que se dizem profissionais, prostituem o mercado e a profissão. O conhecimento custa caro, curso nessa área é caro, os insumos e profissionais de verdade também. Terceiro, compreender o seu oficio e passar isso para quem cozinha com você e para as pessoas que estão comendo, você ter um conceito, uma identidade.
 
Como os novos profissionais chegam às cozinhas?
A molecada que hoje decide ser chef de cozinha já começa errado, pois ninguém começa a construir uma casa pelo telhado. Primeiro você tem que ser um bom cozinheiro, para quem sabe, você ser um bom líder, gestor de pessoas, de processos, ser também criativo e aí, quem sabe, você pode ser chamado de chef. Pra mim, quem tem chef é tribo de índio, somos cozinheiros. Um dos motivos para as pessoas terem essa visão é a forma que alguns setores da mídia colocam o chef, como uma celebridade. Por um lado isso foi muito bom, pois a profissão que não era reconhecida, hoje está em evidência, mas sempre existem os oportunistas para avacalhar e prostituir o mercado .
 
Quais conselhos você dá para quem deseja seguir carreira na área de gastronomia?
Vai procura outra coisa da vida! Se for realmente entrar nesse mercado, entre de coração, procure se profissionalizar , estudar e pensar, pois um cozinheiro que não pensa é um auxiliar de cozinha. Não é que o auxiliar seja burro, é porque o auxiliar você tem que dizer o que fazer. O importante é fazer uma cozinha autoral, mas com fundamento e base.
 
Atualmente, você é consultor do Senac? No que consiste teu trabalho? 
Hoje, eu sou consultor de produtos educacionais, o meu papel é representar a instituição em tudo o que for relacionado a parte de gastronomia. Também sou o elo entre o mercado com as ações educacionais, que o SENAC executa. Crio os cursos que são ofertados pela instituição, planejo e faço o orçamento da  minha área de atuação. Faço planejamento estratégico da minha área e sou o coordenador dos projetos Mesa ao Vivo no Ceará e Saberes e Sabores do Ceará, entre outras coisas.
 
A procura pelos cursos tem sido grande?
Sim, no Brasil como um todo. A cada dia um louco larga a sua profissão atual para virar um cozinheiro. Isso quer dizer que a gastronomia entrou no DNA do brasileiro, as pessoas não querem ser mais um Ronaldinho, Robinho ou Neymar e sim um Alex Atala. Estamos exportando muito mais além do que futebol. A gastronomia está em alta lá fora e estamos sendo respeitado tanto quanto nosso futebol.
 
Como você percebe o desenvolvimento da gastronomia cearense? 
A gastronomia no Ceará cresce a cada dia. As pessoas estão viajando mais e consequentemente o parâmetro para comparações está sendo estabelecido. Então, as pessoas não estão engolindo qualquer coisa, estão mais exigentes com o produto final, a matéria prima e o serviço, mas ainda falta um pouco de capital cultural, ou melhor, conhecimento de quem está comendo. Comer foie gras por que é bom e não porque é chique. Um dos problemas que percebo é que hoje existem dois tipos de cozinha no Ceará, uma cozinha regional caricata e uma internacional mal feita, por falta de conhecimento, resquício ainda da formação do profissional feita boca a boca.  Eu acho que falta levarmos o nosso ofício com mais estudo e nos debruçar sobre a nossa terra, nosso povo e história, mas não para aparecer e sim para desenvolver uma gastronomia e levantar uma bandeira, um estado e mostrar o que é o Ceará. Nosso Estado é muito mais do que sol e praia, temos ingredientes, temos história, boa comida e bons cozinheiros criativos.
 
O que ainda é preciso fazer?
Falta criatividade, falta fazer uma cozinha regional que mostre o nosso ingrediente e cultura, uma culinária "food designer “, com arte, colocando cada ingrediente em seu melhor momento, fazer o que chamo de "cozinha regional criativa", uma cozinha regional de ingredientes com técnicas universais.
 
Você desenvolve o projeto Saberes e Sabores do Ceará. Qual o objetivo da pesquisa?
Os Saberes e Sabores do Ceará têm como objetivo principal buscar e catalogar ingredientes e técnicas de preparo que estão apenas na compreensão popular ou perdida pelo tempo. Contribuindo para formar uma gastronomia mais consciente, na qual o conhecimento do ingrediente, técnica e o aspecto cultural que está dentro do ato de cozinhar e comer, estejam como alicerce para cozinheiro, gourmet e Chef. Ampliando cada vez mais a diversidade de produtos a serem utilizados, podendo desenvolver um trabalho gastronômico resgatando a identidade do Ceará e fortalecendo a fabricação de produtos com conceito e sustentabilidade, contribuindo com a inserção do produto e produtor para rota da cadeia produtiva do serviço de alimentação.
 
Que resultados você pode comemorar?
Vários, primeiro a descoberta de vários ingredientes desconhecidos pela grande maioria da população como o arroz da palmácea. O convite para participação do Mesa Tendências, que também foi maravilhoso, poder mostrar um pouco do Ceará, que na culinária não deixa a desejar em nada. E mudar o pensamento dos cozinheiros, que podemos fazer uma cozinha mais consciente e sustentável .