19, novembro, 2012

A história da Salvaguarda (Parte II)

 

Na semana passada abordamos o início da história recente do processo conhecido como a “salvaguarda dos vinhos”. Vimos que os produtores nacionais, organizados em associações, entraram com uma solicitação formal junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior com o objetivo de proteger a indústria nacional vitivinícola de ameaça, frente ao cenário de aumento no consumo de vinho importado face ao nacional. Conforme prometido, hoje trataremos do desfecho da história.
 
Os números do governo não mentiam ao demonstrar o substancial crescimento no consumo de vinho no Brasil e o seu potencial para os próximos anos. E essa disputa pelo mercado, ao se iniciar, gerou indagações no mercado (produtor e consumidor) e tensões nos estabelecimentos que trabalham diretamente com o vinho. As reações foram rápidas e muitas vezes radicais. Nas semanas seguintes, vários restaurantes representativos em suas cidades, em uma sequência quase que orquestrada, começaram a anunciar a retirada de rótulos nacionais de suas cartas de vinhos. Incluindo um dos ícones atuais da gastronomia nacional, o D.O.M. (eleito em 2012 o quarto melhor restaurante do mundo pela revista inglesa Restaurant), por intermédio da sommelier Gabriela Monteleone, retirou todos os vinhos nacionais de sua carta e comunicou a IBRAVIN.
 
Todas as Associações Brasileiras de Sommeliers existentes no país se mostraram publicamente contra a adoção das medidas de salvaguarda. Em abril deste ano a Associação Brasileira de Sommeliers – SP, por meio de seu presidente Mário Telles Júnior, publicou um comunicado, onde mencionam claramente argumentos de seu posicionamento:
 
“…somos contrários à adoção de tais medidas e tudo faremos para que as medidas propostas e em estudo, a pedido do Ibravin e de outras entidades gaúchas, não sejam implantadas. O crescimento do mercado de vinhos no Brasil, observado nos últimos quinze a vinte anos, se deve, entre outros fatores, ao aumento da oferta de vinhos de qualidade de diferentes procedências, que, por sua vez, estimulou interesse crescente pelo vinho em geral, o que beneficiou, inclusive, os produtores nacionais.”
 
Todas as lentes e olhares se voltaram, então, para a maior feira de vinhos da América Latina, a Expovinis, que acontece anualmente em São Paulo. Este ano aconteceu no mês de abril, período bem próximo do epicentro cronológico da solicitação de salvaguarda. E como conter os ânimos de importadores e produtores nacionais que estariam lado a lado expondo seus produtos face a este antagonismo de opiniões? O que se viu na Expovinis foi uma guerra ideológica de grandes proporções, com cobertura da imprensa nacional e internacional, onde presenciamos declarações explícitas dos apoiadores dos dois lados. A ABS-CE se fez presente no evento com parte de sua diretoria e presenciou in loco este evento importante, em especial este embate histórico que felizmente foi gerado dentro de padrões civilizados de respeito mútuo às opiniões opostas.  
 
Mas afinal, qual o desfecho oficial da salvaguarda? Com vocês, a decisão oficial do governo brasileiro ipsis litteris abaixo:
 
SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR
CIRCULAR No- 54, DE 22 DE OUTUBRO DE 2012
 
A SECRETÁRIA DE COMÉRCIO EXTERIOR DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIOEXTERIOR, nos termos do Acordo sobre Salvaguardas, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994, promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, de acordo com o disposto no art. 3º do Decreto nº 1.488, de 11 de maio de 1995, tendo em vista o que consta do Processo MDIC/SECEX52000.020287/2011-59 e considerando o requerimento do Instituto Brasileiro do Vinho – IBRAVIN, da União Brasileira de Vitivinicultura- UVIBRA, da Federação das Cooperativas do Vinho – FECOVINHO e do Sindicato da Indústria do Vinho do Estado do Rio Grande do Sul – SINDIVINHO, decide:
 
Art 1o Encerrar, a pedido dos peticionários, a investigação para averiguar a necessidade de aplicação de medida de salvaguarda às importações brasileiras de vinho fino, usualmente classificadas no item 2204.21.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).
TATIANA LACERDA PRAZERES
 
Dica da semana:
A dica de hoje vem de Portugal novamente. Tenho me surpreendido com alguns bons vinhos deste país, e neste vinho a boa surpresa continua. Falo hoje do vinho Cortes de Cima Tinto 2009, da Adega Alentejana. Este vinho, que possui 14,0% de graduação alcoólica, me deixou curioso quanto à complexa composição de uvas utilizadas, sendo composto por 2% Alicante Bouschet, 48% Aragonez, 3% Cabernet Sauvignon, 6% Petit Verdot, 39% Syrah e 2% Touriga Nacional. O período em barricas (estagiou 12 meses em barricas de carvalho) fez muito bem ao vinho, agregando aromas de frutos maduros e notas florais bem integradas, eucalipto e noz moscada. Bom corpo, o paladar macio, cheio e redondo, rico em fruto e sabores de chocolate, bem equilibrado com taninos maduros. Vinho que pede comida, um vinho gastronômico. Ainda segundo o produtor, este vinho ainda vai melhorar na garrafa durante os próximos 4 a 7 anos. Certamente um daqueles vinhos para se comprar algumas garrafas da mesma safra e aos poucos ir degustando e percebendo a evolução de sua complexidade.
 
 
 
Paulo Elias é sommelier e diretor de Importação do Grupo Parque Recreio. Já importou alimentos e bebidas de mais de 20 países e visitou diversas regiões vinícolas a convite de importadoras. É diretor de marketing e um dos fundadores da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS– CE). Ministrou cursos e palestras sobre vinhos e participou da Expovinis por três anos consecutivos. Além disso, é professor nos cursos de Pós-Graduação em Comércio Exterior da UNIFOR, Estácio/FIC, Faculdade CDL e FIEC.
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