A Sucré Patisserie é a melhor doceria de Fortaleza. E Lia, a Chef Patissier do ano pela Prazeres da Mesa
Entrevista: Hugo Renan do Nascimento
Fotos: Herbênya Alves
Eleita a Chef Patissier do ano pela Prazeres da Mesa, Lia Quinderé é talentosa e humilde. O talento vem desde criança. A humildade aprendeu com a vida e a família. Sempre sorridente, recebeu o Portal Sabores em sua loja, a Sucré Patisserie, para uma entrevista rápida. Com o tempo apertado, cheio de compromissos, Lia é objetiva nas respostas. Isso não quer dizer que ela responda tudo muito rápido, atropelando as palavras. Pelo contrário. Ela fala bem, explica delicadamente cada dúvida. A história de Lia é cheia de sonhos, trabalhos, doces, Paris, Fortaleza, mundo. A chef estudou Direito em Fortaleza, Gastronomia, em Paris. Tem o título de cake design pela Wilton, em Chicago (EUA). Gosta de ler, de estudar. Gosta da cozinha. Começou fazendo pães. E continua com a arte da patisserie. A chef e também empresária administra a Sucré. Com duas lojas em Fortaleza, a Sucré foi eleita pela Veja Comer e Beber a melhor doceria da capital cearense. Lia agradece a Deus e considera o prêmio reconhecimento por um trabalho árduo e diário da equipe. A seguir, um pouco da história dessa chef, a paixão pelos doces, as criações e as novidades.
Desde quando você percebeu que queria ser uma chef?
Desde de pequena eu gosto de cozinhar. Eu tenho esta afeição pela cozinha. Quando eu tinha 11 anos, eu fazia muito pão, pão de queijo, bala de café. Eu tenho uma tia-avó que ela é uma confeiteira de mão cheia. Quando minha mãe viajava, essa tia ia muito lá para casa, praticamente se mudava para ficar com a gente. E aí ela ia sempre para a cozinha de tarde e eu sempre a acompanhava. Minha diversão ao chegar do colégio era ficar na cozinha. Não ia brincar, eu gostava de ficar na cozinha. E eu fui crescendo e nunca achei que isso seria uma profissão. Eu achei que era uma coisa que eu gostava e que sabia fazer. E aí fiz faculdade de Direito, muito incentivada pelo meu pai. Ele dizia que eu falava muito bem em público, que eu gostava de ler e ele achava que eu daria uma excelente advogada. E eu fiz a faculdade de Direito e quando eu estava na metade do curso surgiu a oportunidade de trabalhar em um buffet de festa da minha família. E neste buffet eu fui levada a trabalhar na administração. Sendo que foi muito natural eu começar a cuidar da cozinha. Não tinha ninguém para cuidar da cozinha e eu me direcionei para isso. Então eu comecei a estudar, a comprar livros, a me aprofundar nesse ramo. Até que chegou um ponto que eu disse que é isso que eu quero. Eu vou trancar minha faculdade de Direito e vou fazer uma faculdade de Gastronomia. E então eu comecei a pesquisar e tinha algumas faculdades aqui no Brasil. E na época, faz mais ou menos 10 anos, tinha a Anhembi em São Paulo, tinha o curso do Senac também em São Paulo, e aqui em Fortaleza não havia nada. E eu disse: se é para estudar eu vou procurar o melhor, onde eu teria o melhor embasamento. E as faculdades aqui no Brasil eram faculdades muito longas e lineares, tinha de cursar de uma vez.
Foi a partir daí que houve a decisão de se mudar para Paris?
Sim. Eu sempre tive o entendimento que Paris era o berço da gastronomia. Minha mãe sempre foi apaixonada por Paris. Ela morou lá por quatro meses quando eu tinha cinco anos. Então eu sempre tive aquela admiração pela França. E eu busquei a Le Cordon Bleu. E na escola eu vi que era possível cursar porque ele era modulado, não precisava passar os dois anos direto lá. E então eu fui para Paris. Daí fiz o primeiro módulo e voltei. Ainda trabalhei um tempo no buffet. Quando eu fui a segunda vez, um ano depois, cursar o segundo módulo, eu pensei que quando eu voltasse para o Brasil eu não ia mais trabalhar no buffet. Eu queria ter algo mais voltado para a confeitaria, que foi minha especialização na Le Cordon Bleu. Quando eu voltei para Fortaleza, eu disse: agora eu vou fazer o meu mercado. Fiquei um ano dentro da minha casa trabalhando, fazia umas fotos, divulgava na internet e pegava encomendas. Até que surgiu a oportunidade de abrir um cafezinho dentro de uma loja de presentes, a Carpe Diem. E nessa época eu trabalhava com meu nome. Não havia a Sucré. Sendo que quando eu fui abrir o café eu pensei em criar uma marca, foi quando nasceu a Sucré porque eu não queria ter meu nome vinculado. E era Sucré, por Lia Quinderé. Aos poucos eu fui tirando o “por Lia Quinderé”. E isso foi em 2007, dois anos depois que voltei de Paris. E aí eu continuei a faculdade de Direito até o fim porque era importante ter uma formação aqui. E então a Sucré começou a crescer e a gente a fazer casamento. A Sucré era pequena dentro da loja, mas quando a gente começou a colocar chocolate na vitrine da loja, as noivas começaram a querer o chocolate nos casamentos. Daí depois que eu comecei a fazer o primeiro casamento eu não parei mais. E então o negócio foi crescendo e eu tive de tirar da minha casa porque não havia mais espaço, já estava uma bagunça. E eu fui para a garagem desativada de uma tia minha e montei uma cozinha industrial. E depois da garagem foi começando a ficar impossível também porque eu entrava na casa da minha tia. E aí eu ainda fui para uma fábrica, para um refeitório de uma fábrica que não estava sendo utilizado, mas também era muito longe. A logística foi ficando cada vez mais difícil porque tinha evento e a gente perdia muito tempo no deslocamento. E no final de 2008, abrimos a primeira unidade da Sucré e colocamos os produtos embalados para vender em supermercados e em alguns quiosques. E depois, tiramos os quiosques e mantivemos os pontos de venda e abrimos a segunda loja na avenida Senador Virgílio Távora.
E essa paixão pelos doces…
Eu sempre gostei de arte. Eu fui criada no meio da arte. Minha mãe é artista plástica. Eu tenho um tio que é design de joias. Eu desde criança fazia trabalhos manuais, já fui fotógrafa profissional, já fiz pintura em tecido e bijuterias. Então sempre fui muito ligada à arte. E na confeitaria é onde eu consigo desenvolver melhor essa arte. A parte artística da cozinha é a confeitaria. Então quando eu me envolvi nesse mundo de gastronomia, de uma forma mais completa e profissional, eu de cara já disse que queria fazer patisserie, onde vou conseguir me desenvolver como artista.
E você já fez outros cursos de confeitaria?
Sim. Dentro da Le Cordon Bleu eu fiz um curso de cake design (design de bolo). Eu também tenho o título pela Wilton em Chicago (escola de cake design). E eu fiz diversos cursos pequenos na área de confeitaria. Mas o curso maior que eu fiz mesmo foi este em Chicago. Foram três cursos lá. Hoje em dia eu desenvolvo muito pouco isso porque não estou mais fazendo bolo e casamento. Demandava muito tempo e eu preciso estar focada no negócio Sucré. Eu escolho os bolos que eu quero fazer. O bolo de um amigo ou de um parente. Eu tenho dito muito “não”. Por conta do tempo também. Para fazer um bolo de casamento, eu levo três dias. É algo que não compensa financeiramente e que depende exclusivamente de mim, não entrego a ninguém. Apesar de tudo isso, este curso da Wilton me deu uma base geral de decoração, do doce, então foi um curso muito importante.
Como é o seu processo criativo?
O processo criativo normalmente se inicia com um ingrediente que você quer utilizar. Pelo menos para mim é assim. Eu estudo muito, quase que diariamente. Geralmente quando eu chego em casa, eu vou ler. Eu compro muitas revistas e muitos livros. Então eu sou uma pessoa que estudo bastante. Agora eu estou criando um produto para um congresso que eu vou participar na Paraíba, que é o Inova Gastronomia, no final de outubro. Eu vou dar uma aula. Então eu escolhi os ingredientes que pudessem traduzir a gastronomia nordestina. No caso, eu escolhi a siriguela como principal produto. Partindo da siriguela eu vou desenvolver uma linha de produtos que combinariam entre si. A siriguela vai bem com o que? A siriguela é ácida, um pouco azeda. Então eu preciso usar um elemento doce, como o caramelo, por exemplo. Daí a partir do caramelo, o que combina com ele? Aí eu puxo outro link. O caramelo é líquido e ele pode combinar com um elemento crocante, como a farofa, que eu posso fazer com uma farinha d’água, que é uma farinha nordestina. A partir disso eu vou desenvolvendo uma rede de ingredientes e depois dessa rede eu vou escolher todas as texturas, temperaturas e sabores que eu preciso dar à sobremesa. A sobremesa precisa ter um elemento doce, crocante, gelado, natural, às vezes, um elemento mais quente. Assim você vai e desenvolve. Toda vez que eu tenho de desenvolver alguma coisa eu vou e desenvolvo em cima de um ingrediente. Aconteceu agora para o Mesa ao Vivo Ceará que eu fiz uma sobremesa a partir do mel de abelha. Eu peguei o mel de abelha nativa e fiz uma mousse. Como é muito doce eu fiz uma ganache de chocolate 70% para dar um amargor e quebrar um pouco do doce. Depois eu coloquei uma tuille de castanha em cima para eu poder ter a crocância. E então eu coloquei um sorvete de cumaru para dar o gelado. Aqui na Sucré, é do mesmo jeito. Geralmente a gente lança uma novidade por mês. E sempre perguntando ao público o que eles querem. É um canal muito aberto com o público através das redes sociais. O
público me direciona muitas vezes.
É sempre uma preocupação sua trazer produtos regionais para a sua cozinha?
Sim. A Sucré é vista como uma cozinha francesa, mas desde que eu cheguei da França eu sempre tive muito cuidado para adaptar. Tanto é que se você for a uma patisserie francesa você não vai achar parecida com a Sucré. Você vai ver aqueles doces super hiper mega trabalhados e que na hora de você provar você vai sentir o doce mais leve ou mais forte. E o brasileiro é diferente. Eu não posso chegar no Ceará com um produto 100% francês. Até mesmo por questão de mercado. Mas eu sempre fiz muita questão de trabalhar os ingredientes da terra e de valorizar este ingrediente e mostrar que é possível a gente pegar um ingrediente do nosso cotidiano e trabalhar este ingrediente de uma forma mais luxuosa, digamos assim, com uma técnica francesa. Por isso fiz questão de colocar o chocolate brasileiro na linha de barras porque eu acho que temos potencial de ter um chocolate bom. Na minha concepção, a Sucré não é uma patisserie 100% francesa. Ela utiliza de técnicas francesas, mas também usa ingredientes nossos.
Como você concilia o seu tempo?
Agenda. As minhas manhãs são sempre na produção. Eu não abro mão disso. Seja acompanhando calendário, seja desenvolvendo um produto novo, o que seja, mas as manhãs eu me dedico à produção. As tardes variam. Uma tarde eu me dedido ao financeiro, outro dia com o comercial e marketing, uma outra tarde na área de suprimentos, compras, e no outro dia gestão de caixa. Então o meu dia é todo bem dividido. E normalmente nos finais de tarde, eu deixo para o atendimento.
A que você deve os resultados atuais, como a Sucré ser escolhida pela Veja Comer e Beber a melhor doceria da cidade?
Por muitos anos a gente desejou este resultado. É óbvio que todo mundo deseja ser o melhor da cidade. Eu acho que ter este título é um reconhecimento de um trabalho desenvolvido até hoje. Eu procuro sempre puxar os pés da minha equipe pro chão e dizer: a partir daquele prêmio é uma nova história, é um novo caminho. Então a gente tem de trabalhar ao máximo e se doar o máximo. Se no ano que vem nós não ficarmos como a melhor não significa que a gente não desenvolveu um bom trabalho e que a empresa não deu resultado. É um reconhecimento muito importante. Eu agradeço muito a Deus. É um reconhecimento de um trabalho desenvolvido com amor, dedicação, cuidado e, principalmente, pensando no cliente, acho que o cliente é o nosso foco principal, a satisfação dele é muito importante. A pessoa que entra na Sucré ela está em busca de prazer. Ela vem em busca de prazer aqui. Então a gente tem de fazer o máximo para satisfazer este cliente.
E as novidades deste mês de setembro?
Este mês a gente está lançando as barras de chocolate. É uma linha de barras. Os chocolates são embalados. São nove sabores, tem o 33% ao leite, 70% com castanha caramelizada, tem o 70% com o nibs de cacau, tem o 65% que é um chocolate brasileiro, cacau da Bahia, tem ao leite com praliné, 33% ao leite com crocante de massa folheada, o branco com baunilha, são nove tipos de barras. Estou criando pra nove meses para frente. É um produto que vai ser lançado até o final do mês. E realmente é a grande novidade desse mês.
Como é feita a escolha dos produtos, no caso, dos fornecedores?
A gente tem todo um cuidado na escolha do fornecedor. Para escolher estes fornecedores, a gente faz testes internos. Por exemplo, eu recebi amostra de chocolate de todo lugar do mundo. E escolhemos duas marcas para fazer estas barras. Escolhemos a Callebaut, que é uma marca de chocolate belga. E a Unique, que é um chocolate novo e uma marca do Brasil. Deste chocolate nós escolhemos dois tipos. Por enquanto, a gente está trabalhando o 65% e o branco. Esses dois são os chocolates brasileiros. E os outros estamos usando a Callebaut. A gente também escolhe o que vai dentro do produto. Por exemplo, flor de sal, que vem do Rio Grande do Norte e tem uma excelente qualidade. O caju também. Estamos numa fase de escolher qual marca vamos usar. É todo um processo, um processo interno. A gente se reúne, degusta, faz comitês pra aprovar ou desaprovar algum produto.
Você tem algum projeto em vista de abrir novas unidades da Sucré em outros estados e até mesmo em Fortaleza?
A gente tem sim este projeto. Não tenho nada assim pronto no papel, mas a expansão é um caminho natural. A gente criou um modelo de negócio que é facilmente replicável em outras cidades e estamos nos estruturando para crescer mais. A gente não tem nada certo, nada definido. Mas é uma visão que temos de expandir nacionalmente. Já tem muitas pessoas que procuram a gente em Brasília, São Luís, Teresina, Curitiba, São Paulo. Muita gente esperando o momento de abrir novas lojas da Sucré. Não sabemos ainda a forma como isso vai acontecer, se através de franquia ou co-propriedade, com sócios locais.
Autor: Raquel Pessoa
Autor: Raquel Pessoa
Autor: Raquel Pessoa