28, abril, 2014

Expovinis 2014: Impressões de um visitante

A Expovinis é a maior feira de vinhos da América Latina. Veja na coluna de Marco Ferrari:

Expovinis 2014
Expovinis 2014

Fui a São Paulo na semana passada, a convite do Ibravin (Instituo Brasileiro do Vinho) para participar de uma degustação conduzida pelo famoso critico britânico Steven Spurrier (aquele do famoso julgamento de Paris de 1976). Como a degustação começava às 9h da sexta-feira, resolvi viajar com um dia de antecedência. Por coincidência, último dia da Expovinis 2014, tida como a maior feira de vinhos da América Latina, no Expo Center Norte.

Já participei de várias Expovinis no passado e a impressão é sempre a mesma. Ficamos empolgados nos primeiros eventos, pois dava para vislumbrar o potencial de crescimento e os benefícios que poderia trazer para um setor necessitado como o do vinho no Brasil. Para os anos a seguir, percebi que o potencial não foi aproveitado, pelo contrário, a organização, não sei, se por ganância ou por falta de patrocínio, ou por qual motivo, não ampliou o tamanho do evento. As grandes importadoras e muitas vinícolas nacionais deixaram de participar, reduzindo a Expovinis a uma data no calendário dos enófilos que mais serve para conhecer vinhos diferentes do que alavancar negócios no setor.

marco1O Brasil tem potencial para receber uma feira quatro vezes maior, desde que os importadores e as principais vinícolas fossem de certa forma estimulados a participar. Para crescer, o setor de vinho precisa de planejamento estratégico e recursos. Estes últimos precisam aparecer de algum lugar, para que cada vez, mais pessoas sejam estimuladas a conhecer a cultura do vinho, muito além do que se faz ou se fez até hoje. A impressão que se tem é que cada um pensa pequeno para poder garantir seu pedacinho de bolo, em vez de pensar em ampliar a base de consensos, aproveitando o potencial que o Brasil, com seus quase 200 milhões de habitantes representa. Não conheço a mágica que está por trás de feiras como a Vinitaly, na qual caberiam tranquilamente 20 Expovinis (provavelmente mais do que isso), embora esta feira aconteça numa cidade como Verona, que com 260.000 habitantes está longe da capacidade de São Paulo. Tampouco sei como um país que não é consumidor tradicional de vinho, como a China, consegue organizar mais de trinta feiras por ano em que o vinho está metido, mas acho que se eles conseguem isso, nós mereceríamos intentarmos algo semelhante.

marco2Quem sabe a responsabilidade deva ser atribuída à desunião do setor, que continua enxergando o vinho como um objeto de consumo elitista, em que os poucos consumidores são disputados entre importadoras e produtores, tentando cada um puxar a brasa para própria sardinha, em vez de trabalhar para ampliar a base de consumidores (coisa que na conversa está sendo providenciada, mas o que se observa é uma realidade distante disso); apesar de tudo isso, tive a oportunidade de conhecer alguns excelentes vinhos que vou recomendar já.

Santa Catarina: nos últimos tempos, a vitivinicultura de altitude daquele estado tem feito passos largos em direção à qualidade absoluta. Tive a oportunidade de provar excelentes vinhos da Pericó, do simpático investidor multimilionário Wander Wegge (Malwee, entre outras cositas) e dois me surpreenderam positivamente, o Vigneto Sauvignon Blanc 2013, saboroso, muito bem feito, com notas varietais limpas e de alta qualidade, num nariz extremamente elegante equilibrando frutas e notas herbáceas, boca refrescante, com acidez tensa e vibrante como se espera de um Sauvignon Blanc de raça, muito bom.

Basaltino Pinot Noir 2013, um vinho que surpreende pela mineralidade, pela cor sedutora que lembra imediatamente a Cote de Nuit, aroma intenso, “peró no aburrido”, notas de terra, e frutas com alguma flor, leve na boca, mas a presença sápida e mineral realça o caráter gastronômico e a personalidade do Basaltino; um varietal que podemos considerar como uma das melhores expressões da casta Pinot Noir no Brasil; um ponto a favor, a perseguição do estilo próprio, da expressão da Pinot Noir no terroir do Planalto catarinense, em vez de tentar catastróficas imitações dos Pinot Noir chilenos, caldos de morango extremamente enjoativos, pelo menos os mais comerciais.

marco4Cabe nesta altura uma reflexão: provei vários vinhos de Santa Catarina, excelentes brancos e rosés para os quais só tenho elogios, os citados acima e de outras vinícolas de lá; daí surge a pergunta que não quer calar, o clima do planalto Catarinense é de alta montanha, as noites são frias, a maturação dos varietais tardios não é nada fácil, então, pelo amor de Deus, por que tanta insistência em lutar com a Cabernet Sauvignon? Vinhos que, em sua grande maioria, apresentam uma pirazina (nota varietal de pimentão verde) pulando da taça, atacando o nariz da gente de forma inequívoca. Será tão difícil investir em outras variedades mais apropriadas, haja vista os excelentes resultados obtido com Merlot, ou o próprio Pinot Noir, tem alguma obrigação de plantar Cabernet Sauvignon no Planalto Catarinense? Quem sabe.

Outro grande vinho que provei, o espumante produzido pelo método clássico Brut N°1 millesimé 2008, da vinícola Perini de Farroupilha, na Serra Gaúcha, que o Marcio Bonilha, gerente da vinícola, resolveu abrir para que o sommelier e jornalista italiano (além de meu amigo pessoal), Roberto Rabachino, e eu pudéssemos apreciar a brincadeira que a natureza às vezes apronta com o ser humano. Parece que um lote de espumante brut da safra 2008, inicialmente programado para estagiar pouco mais de doze meses, foi esquecida num canto da cave da Perini, quando deram fé do ocorrido já tinham se passado alguns anos, ao provar o vinho, imaginando que estivesse irremediavelmente oxidado, qual não foi a surpresa em constatar que na realidade tinham produzido um excelente champenoise; pena que o “esquecimento” contemplou um lote de poucas garrafas que a Perini resolveu usar para presentear alguns clientes e parceiros. O N°1 se mostra com uma cor dourada intensa, de nariz rico em notas de leveduras, casca de pão torrada, brioche e frutas secas caramelizadas, na boca aparece cremoso e de justa acidez, um grande champenoise, digno representante da excelência brasileira na produção deste tipo de vinho.