22, novembro, 2012

Entre o Novo Mundo e o Velho Mundo

 

Estamos presenciando no Brasil e no mundo um grande embate mercadológico em busca de nossos consumidores de vinhos e a consolidação de marcas tradicionais. Como vimos na coluna da semana passada, felizmente no Brasil o processo de salvaguarda não foi adiante, mas isto não quer dizer que a disputa por nossas adegas esteja menos acirrada. Muito pelo contrário, está apenas começando!
 
Os grandes players desse bipolarismo comercial encontrado hoje no mercado mundial de vinhos são os produtores do chamado Novo Mundo e os considerados do Velho Mundo. O que nós podemos afirmar é que atualmente a produção de vinho é espalhada nos cinco continentes, e é bem provável que nos próximos anos nos deparemos com vinhos chineses ou indianos com a mesma naturalidade com a qual hoje já encontramos vinhos australianos ou neozelandeses na maioria das prateleiras.
 
E esse movimento de produção em novas zonas tem proporcionado grandes transformações no consumo do vinho, em especial, pois o tomador desse produto se diferencia dos demais principalmente pelo gosto pela novidade e variedade. Quanto mais sortida uma loja ou a carta de vinhos de um restaurante, melhor para a grande maioria dos consumidores ávidos por novas experiências enogastronômicas.
 
De uma forma bem didática, podemos detalhar esses dois locais de produção (lembrando que estamos falando de características gerais, sendo que obviamente existem produtores em ambos locais que divergem das particularidades regionais). Os países do Velho Mundo são os países produtores localizados na Europa, especialmente França, Itália, Portugal, Espanha; os considerados do Novo Mundo são os demais países que na história recente têm se dedicado a essa produção, tais como Argentina, Chile, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Estados Unidos e Brasil, além de alguns outros com menor expressividade. Creio que para a maioria dos leitores, ao mencionarmos os países na relação acima, já têm uma clara noção dos vinhos produzidos e também da diferença na leitura e compreensão de seus rótulos. Mas as diferenças não param por aí.
 
"Produzir vinho é relativamente simples, só os primeiros duzentos anos são difíceis", declarou a baronesa Philippine de Rothschild, sucessora do pai no comando do célebre "Château Mouton Rothschild". Essa frase acima resume a importância dos fatores “experiência e tradição” para os viticultores do Velho Mundo. Se eles chegaram a um nível de excelência reconhecido mundialmente, boa parte se deve a um largo histórico de tentativas e erros, sobrevivência às crises na produção e nos mercados e inovação tecnológica recente.
 
O terroir  possui grande importância para os produtores, uma vez que os vinhos são frutos de combinações entre as condições do clima, solo, das amplitudes térmicas e pragas, dentre outros aspectos que naturalmente influenciam as uvas e os períodos de produção e colheita, conhecimento que não foi adquirido em poucas gerações apenas e ainda sobrevive dentro dos mais tradicionalistas que se recusam a utilizar a tecnologia apenas para fazer vinhos que agradem ao consumidor. Em geral buscam a tipicidade da região.  Exatamente esses aspectos fazem com que cada safra seja diferente das anteriores, ocorrendo grandes variações de preço dos vinhos ano após ano, pois a qualidade dos vinhos depende em grande maioria dos aspectos mencionados acima, que não são inerentes ao homem.
 
Até a década de 70 os vinhos europeus possuíam pouca concorrência. Reinavam quase que absolutos nas prateleiras das grandes redes de supermercados e nas cartas de vinhos. Em especial, quando se mencionavam vinhos de grande qualidade, quase sempre se falava em França (Bordeaux em especial), Itália ou Portugal, os quais eram um blend de várias castas, onde a legislação de cada região autorizava (e ainda o faz em várias regiões) a produção com determinadas variedades, algumas definindo até mesmo o período de colheita e o tempo de guarda antes de serem colocados à venda.  Mas o mercado é dinâmico e isso ficou muito claro nos últimos quarenta anos. Dos anos 70 até hoje presenciamos um grande crescimento na produção e consumo dos vinhos do Novo Mundo. Mas quais os motivos desse aumento no consumo de vinhos do Novo Mundo?  Exploraremos brevemente alguns deles.
 
"Os vinhos do Novo Mundo podem ser tão bons  quanto os melhores da França, desde que  sejam diferentes, ou seja, não tentem imitar um modelo existente. A mesma uva plantada em lugares  diferentes tem características distintas", ressalta Rod Phillips, conceituado enólogo neozelandês e autor do livro “Uma breve história do vinho”.
 

Os vinhos do Novo Mundo possuem algumas características que agradaram ao novo consumidor. Primeiramente podemos ressaltar que em geral são vinhos que, por questões de terroir (em especial temperaturas), possuem maior graduação alcoólica e sua intensidade aromática sobressai. Outro fator importante para o aumento no consumo se deve ao fato de possuírem rótulos de fácil entendimento, nos quais se mencionam os nomes das castas utilizadas, sendo muitos vinhos de uma casta única, tornando-se assim mais didáticos ao novo consumidor indeciso que busca por informação. Devemos mencionar também o uso constante da tecnologia para se aumentar a produção anual, mantendo padrões de qualidade característicos de cada produto, fazendo com que a cada safra se tenha um vinho similar ao produzido no ano anterior, caracterizando a qualidade do rótulo vendido em questão, o que, como vimos anteriormente, difere totalmente da filosofia de produção do Velho Mundo, onde cada safra é uma nova experiência engarrafada, um retrato da safra.
 
Dica da semana
Nesta semana gostaria de ressaltar a visita do enólogo da Vinícola alentejana Cortes de Cima, Hamilton Reis, a Fortaleza, mais uma vez colocando nossa cidade na rota internacional dos grandes produtores de vinhos. Em uma bela apresentação, seguida por uma degustação técnica de seus produtos, incluindo o vinho ícone da vinícola, o Incógnito. Parabenizo aos que realizaram o evento, bem como a equipe da Adega Alentejana, que proporcionou esse momento único e especial. O vinho Incógnito é a dica da semana!
 
 
 
Paulo Elias é sommelier e diretor de Importação do Grupo Parque Recreio. Já importou alimentos e bebidas de mais de 20 países e visitou diversas regiões vinícolas a convite de importadoras. É diretor de marketing e um dos fundadores da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS– CE). Ministrou cursos e palestras sobre vinhos e participou da Expovinis por três anos consecutivos. Além disso, é professor nos cursos de Pós-Graduação em Comércio Exterior da UNIFOR, Estácio/FIC, Faculdade CDL e FIEC.
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